"Tinha saudades da folha em branco, da ligeira angústia, da eterna hesitação antes de começar; tinha saudades de ver as palavras formarem-se perante os meus olhos e de serem conduzidas pelos meus dedos."
João Tordo in O Bom Inverno
Depois de uma muito prolongada ausência por motivos académicos, volto com um livro que me marcou bastante e que hoje mesmo acabei de ler. De um autor português que nunca tinha lido e que pouco conhecia.
O Bom Inverno
João Tordo
(Dom Quixote)
A escrita é fluida, mas trabalhada, e prende-nos por si só nas primeiras páginas, enquanto vamos tentando compreender uma lógica muito própria, intrínseca ao próprio livro e à própria história, que ora se agarra, ora se perde.
Um escritor falhado e frustrado que foca na sua perna todas as limitações do seu génio criador. E por isso coxeia. Por isso passa pela vida, apenas passando, inerte e deprimido fecha-se em casa, alheado do mundo e dos outros, agarrado à sua bengala.
Até que recebe uma proposta curiosa e parte para a casa de Don Metzger, um importante produtor de cinema. Lá irão juntar-se actores, escritores e muitos outros, movidos por diferentes interesses ou dilemas interiores.
Quando o proprietário da casa surge morto de forma misteriosa e o seu fiel amigo Bosco inicia uma verdadeira luta para descobrir o assassino, o grupo de convidados vai sentir-se cercado numa caça ao homem sem fim. E tudo é válido: cada um está disposto a tudo para tentar fugir.
Empolgante até ao final, com grandes reflexões existencialistas!
"A tua perna é o teu fracasso, é a prova da tua finitude. (...) Todos a carregamos connosco de uma maneira ou de outra, porque estamos agora e para sempre predestinados ao fracasso. Porém, vais descobrir, para tua grande frustração, que lá dentro são todos imortais. Uma sala cheia de superhomens e supermulheres, perfeitos na sua imperfeição, completamente esquecidos de que são, como todos nós, repasto para cemitérios. Comida para os vermes."
No final resta a vontade de ler outras obras. E uma curiosidade: João Tordo é um dos finalistas do Prémio Literário Europeu, com este mesmo livro. O vencedor será conhecido a 5 de Dezembro.
"A Adelaide e o Ilídio fixaram-se por um momento. Foram maiores do que os seus corpos. E viraram o olhar para qualquer detalhe inventado. Mas eram cegos. O tempo passou a ser qualquer coisa esmigalhada que chovia à sua volta, pedaços de palavras, pedaços de sons, pedaços de imagens. As pessoas, longe, regressaram ao mundo."
José Luís Peixoto in Livro
“A sua fúria, isolamento e estatuto de proscrito sem valor fascinavam-me porque eu era precisamente o contrário – a menina querida e mimada de um clã próspero.”
Deborah Smith in Segredos do Passado
Volto com uma sugestão:
Segredos do Passado
Deborah Smith
(Porto Editora)
Esta é uma história de uma amizade especial entre uma menina de 10 anos e um rapaz alguns anos mais velho. Violentada pelo pai e ostracizada pela comunidade, Roanie vê em Claire a sua melhor amiga, defensora e a única que realmente acredita no seu potencial.
Mas o destino prometeu não lhes tornar a vida fácil e vai separá-los.
Uma história de amizade, amor, preconceito, compreensão e sobrevivência. Deliciosamente previsível em alguns momentos, este é um romance que nos preenche.
"As memórias mais penosas são os fragmentos daquilo que podia ter acontecido."
Deborah Smith in Segredos do Passado
Para que não restem memórias penosas, desejo a todos um 2012 com muita fé para arriscar no incerto, muita vontade de se aventurar, muita alegria para sorrir, muita disponibilidade para aproveitar cada momento, muita força para batalhar e vencer, e muita perspicácia, dedicação e talento para conquistar e alcançar o tão desejado sucesso. A todos deixo os votos de um próspero 2012, em que nada fique por fazer.